Cinema Digital

António Marques, 55933, e Jorge Soares, 55984

Instituto Superior Técnico - Taguspark
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 2744-016 Porto Salvo

Resumo

A digitalização de toda a cadeia de valor do cinema, desde a captura à projecção, é uma verdadeira revolução e constitui o maior desafio que a indústria cinematográfica encontrou nas últimas décadas. O cinema digital apresenta um conjunto benefícios para todos os intervenientes no processo cinematográfico, desded os realizadores até ao espectador final, quer em termos de custo quer em termos de qualidade e flexibilidade, tendo em vista substituir o actual filme de 35mm. Este artigo procura ilustrar os principais aspectos técnicos e de negócio associados ao cinema digital nas suas vertentes de captura, produção, distribuição e projecção, bem como o seu enquadramento no standard Digital Cinema Intiatives (DCI). Serão também apresentadas as vantagens e desvantagens deste novo meio, alguns dos entraves à sua proliferação, terminando com o estado da arte em Portugal.

Palavras-chave: cinema, digital, DCI, video

1. Introdução

A história da indústria cinematográfica tem sido marcada por avanços tecnológicos significativos, como o som e o cinema a cores, que tiveram um impacto profundo na experiência do espectador final. Paralelamente, assistiu-se ao desenvolvimento de ferramentas cada vez mais sofisticadas para auxiliar na criação de obras cinematográficas, desde o simples ajuste de cores até efeitos especiais computorizados. Hoje em dia, vivemos rodeados de tecnologia de entretenimento digital, como televisões digitais, computadores, consolas de jogos, telemóveis, leitores de CD e DVD. Existe uma forte tendência para a crescente digitalização dos mais variados conteúdos multimédia.

Será de estranhar então que o cinema, enquanto forma de entretenimento multimédia, continue a depender de um conjunto de princípios com quase um século, mesmo considerando todas as evoluções sofridas pela película de 35mm. Isto deve-se a várias razões, entre as quais o facto de os realizadores que possuem uma larga experiência com as ferramentas existentes, resistirem à mudança, assim como a qualidade do filme 35mm, até à pouco tempo sem suporte alternativo à altura. Outra forte razão residia na ausência de normalização e de consenso entre os principais estúdios cinematográficos. No entanto, as evoluções recentes neste campo começam a deixar prever o que será o cinema do futuro, o cinema digital.

Começamos por analisar aqui a principal norma que serve de base ao cinema digital, os seus objectivos e aspectos técnicos. Segue-se uma breve análise do impacto da digitalização e da normalização, nas diversas etapas de uma obra cinematográfica: a captura de imagem, a sua edição, a distribuição aos cinemas e, finalmente, a projecção, ou seja, a exibição ao perante o espectador final. Terminamos com uma breve história da evolução do cinema digital em Portugal.

2. Digital Cinema Initiative

Em 2002 um grupo de estúdios cinematográficos americanos (Disney, Fox, Metro-Goldwyn-Mayer, Paramount Pictures, Sony Pictures Entertainment, Universal Studios e Warner Bros. Studios) decidiu unir-se e criar a Digital Cinema Initiatives (DCI, [1]), uma joint venture com o objectivo de estabelecer os requisitos e especificações de uma arquitectura aberta para cinema digital. A primeira versão (v1) do standard foi publicada em Julho de 2005, sendo a versão mais recente (v1.2, [2]) datada de Março de 2008. O restante conteúdo desta secção baseia-se na informação constante desta última versão.

É importante referir que o objectivo da DCI não é normalizar tecnologias, mas uma arquitectura aberta baseada em standards de outras fontes, nomeadamente a Society of Motion Picture and Television Engineers (SMPTE, [3]) e a International Organization for Standardization (ISO, [4]).

2.1. Requisitos

Foi definido um conjunto de requisitos para um sistema de cinema digital:

2.2. Imagem

O standard define 3 níveis de imagem:

Nível Resolução Framerate
1 2K 24
2 2K 48
3 4K 24
Tabela 1: Níveis de imagem

Em que 2K se refere a uma resolução máxima de 2048x1080 e 4K se refere a uma resolução máxima de 4096x2160 – as resoluções efectivas dependem do factor de forma utilizado. A opção de 2K com 48fps existe para utilização em cinema estereoscópico, em que são utilizadas imagens distintas para cada um dos olhos, requerendo o dobro do número de imagens.

Resoluções
Figura 1: Comparação das resoluções de TV tradicional, HDTV e Cinema Digital (© Flying Eye)

É definido um espaço de cor X’Y’Z’, baseado no sistema CIE [5] e que contém a totalidade da sua gama de cores. Cada uma das componentes é representada em 12 bits.

Na fase de distribuição, é utilizada compressão, sendo imposta a condição de o resultado da descompressão no destino ser visualmente (mas não matematicamente) lossless. Neste tipo de aplicação a qualidade de imagem é muito mais importante do que o tamanho, justificando-se assim a escolha do JPEG 2000 [6], que, ao não contemplar qualquer utilização da redundância temporal, apresenta taxas de compressão relativamente baixas – com valores médios entre 4.71 bit/pixel para 2K e 1.17 bit/pixel para 4K.

2.3. Som

Para a informação de áudio é utilizado o formato Broadcast Wave [7], não sendo este sujeito a compressão em nenhum ponto do sistema. São suportadas taxas de amostragem de 48kHz ou 96kHz, com 24 bits por canal. São permitidos conjuntos de até 16 canais independentes, garantindo a capacidade de evolução e ao mesmo tempo criando a possibilidade de coexistência de várias línguas, comentários e canais diferenciados para headphones.

2.4. Informação Textual

A informação textual é um acessório importante à imagem/som no cinema actual, sendo utilizada para legendagem de filmes em línguas alternativas mas também para a inclusão de texto no próprio filme e como ajuda de compreensão para pessoas com deficiências auditivas. A especificação contempla 3 tipos de informação “textual”:

2.5. Empacotamento

O conjunto da informação resultante do processo de pós-produção, e que constitui basicamente a informação necessária à exibição de um filme (fluxos de vídeo, áudio, etc.), é denominado Digital Cinema Distribution Master (DCDM). No entanto o DCDM é apenas um conjunto de ficheiros, não constituindo um formato conveniente para a distribuição do material. Surge assim a necessidade de especificar um formato de empacotamento do filme, conduzindo a um ficheiro comprimido e cifrado denominado Digital Cinema Package (DCP), que irá incluir toda a informação audiovisual, bem como a informação de controlo, por exemplo a playlist a seguir na exibição.

2.6. Segurança

A segurança foi desde o início uma grande preocupação dos estúdios da DCI, tendo sido desde logo integrado em todos os componentes do sistema. A imagem, e opcionalmente o restante conteúdo, é totalmente cifrada com AES 128 [9]. As chaves AES têm de ser distribuídas, utilizando-se mensagens Key Distribution Message (KDM) com criptografia assimétrica RSA [10]. Em cada sistema de apresentação é instalado pelo fabricante um certificado contendo as suas chaves RSA, sendo portanto necessário enviar uma KDM para cada par de conteúdo e equipamento. Existe ainda suporte para logging avançado de acesso às chaves e conteúdos, sendo a autenticidade dos logs garantida por assinaturas digitais.

2.7. Salas

Além dos parâmetros referentes ao formato da informação, o standard especifica também requisitos a cumprir pelas salas de cinema DCI-compliant. Entre os vários parâmetros definidos, contam-se:

3. Produção

A produção foi uma das primeiras áreas a beneficiar do potencial da digitalização. A aplicação de tecnologia digital quer na captura, quer na edição, apresenta diversas vantagens, em termos de custo e flexibilidade. Apesar dos seus méritos, persiste um debate aceso entre os preponentes desta abordagem e os que resistem a mudança.

3.1. Captura

Desde a sua introdução em 1892, a película de 35mm tem sido responsável pela captura de imagem na maioria das obras cinematográficas. Apenas em meados dos anos 90, passado quase um século, começa a surgir algum interesse numa alternativa digital com o aparecimento da tecnologia HDCAM da Sony. Em 2002 dá-se um passo histórico na utilização da captura digital num filme de relevo, com a estreia do filme Star Wars Episode II: Attack of the Clones, filmado exclusivamente com câmaras Sony HDW-F900 HDCAM [11]. Estas câmaras são capazes de capturar imagens com uma resolução espacial de 1920x1080, a 24 imagens por segundo em modo progressivo, com uma gama dinâmica e profundidade de campo próximas das câmaras tradicionais [12].

Video 1: Trailer do filme Star Wars Episode II: Attack of the Clones

A captura de imagens para utilização em cinema digital é em tudo semelhante à fotografia digital. Podem ser utilizados sensores Complementary metal–oxide–semiconductor (CMOS) ou Charge-coupled device (CCD), tipicamente em duas configurações:

As resoluções mais comuns associadas à captura digital para utilização em cinema começam no HDTV (720p e 1080p) até aos 2K e 4K como indicado no standard DCI. O armazenamento de informação resultante da captura pode ser feito recorrendo a qualquer meio capaz de guardar dados digitais, desde cassetes digitais até discos rígidos. Algumas câmaras podem inclusivamente estar separadas da unidade de armazenamento, sendo os dados enviados por fibra óptica.

Câmara Formato Bit depth Resolução máxima
Arriflex D-20 ARRIRAW 12 bit 2880x2160
Dalsa Origin Raw Native 16bit 2046x2048
Sony CineAlta HDCAM 10bit 1920x1080
Panavision Genesis HDCAM SR 10bit 1920x1080
Red One Redcode RAW 12bit 4096x2304
Tabela 2: Características de algumas câmaras para cinema digital

Tendo em conta os elevados débitos binários gerados por estes equipamentos, torna-se importante considerar a utilização de alguns mecanismos de compressão para reduzir a quantidade de dados a transmitir e a armazenar. A maioria das câmaras utiliza formatos lossy, recorrendo às técnicas de Discrete Cosine Transform (DCT) ou Wavelet, para obter factores de compressão mais elevados, conseguindo assim uma qualidade de imagem visualmente idêntica aos equivalentes não comprimidos. A subamostragem da crominância é outra ferramenta disponível nalgumas câmaras, para aumentar os factores de compressão; no entanto, dada a importância da qualidade de imagem em cinema digital, opta-se normalmente por formatos 4:4:4, ou seja, sem subamostragem. Por outro lado, a grande maioria dos sistemas não explora a redundância temporal entre imagens sucessivas, codificando cada imagem capturada de forma independente. Isto tem um impacto positivo no desempenho do processo de edição, visto que não é necessário descodificar várias imagens adicionais quando se pretende saltar para uma imagem específica. Isto também se traduz numa maior robustez face erros ocorridos no dispositivo de armazenamento, dado que passa a não existir qualquer dependência entre imagens e, por conseguinte, não se dá a propagação de erros entre as mesmas.

O custo de dispositivos de armazenamento digital é negligenciável quando comparado com o custo de uma fita de 35mm de duração comparável. Isto permite uma maior flexibilidade aos realizadores, que podem agora capturar mais horas de filmagens, sem estarem constantemente preocupados com os custos incrementais por cada hora gravada. Este facto é particularmente relevante para produções cinematográficas com um orçamento reduzido, em que os custos associados à película tradicional, representam logo à partida um investimento considerável.

3.2. Edição

O método clássico de edição de filme consistia na utilização de um positivo copiado da película negativa que era posteriormente cortado e colado fisicamente por forma a ser visualizado num aparelho específico como um Moviola ou um Steenbeck. Este processo laborioso tem vindo a ser substituído desde o início da década de 90, por sistemas de edição de vídeo não lineares. Estes dispõem de uma grande vantagem face aos seus antecessores: o acesso aleatório, ou seja, a possibilidade de aceder com a mesma facilidade, a qualquer imagem da sequência capturada.

Steenbeck
Figura 2: Mesa de edição Steenbeck

Neste novo paradigma, é necessário que o filme se encontre digitalizado. Utiliza-se, para o efeito, scanners próprios de elevada precisão, para converter o filme de 35mm, o que é um processo bastante caro e moroso. No caso da captura digital, podemos naturalmente saltar este passo e passar directamente para a fase de edição propriamente dita. Nesta fase utiliza-se um pacote de software de edição não linear como o Avid Media Composer, Adobe Premiere ou Apple Final Cut Pro, para efectuar as alterações desejadas e chegar a um Edit Decision List (EDL) que pode ser trocado entre diferentes pacotes de software. Este processo não é destrutivo, mantêm-se sempre os originais inalterados, e também não é necessário manter cópias do material editado. Para além de reter a flexibilidade de cortar e colar do método de edição original, existe a possibilidade de reverter facilmente alterações já efectuadas e organizar os recursos de um determinado projecto. Nesta fase são adicionados também efeitos especiais, como Computer Generated Imagery (CGI), e feitos ajustes de cor que normalmente seriam realizados, respectivamente, através de processos ópticos e fotoquímicos.

Adobe Premiere
Figura 3: Edição no Adobre Premiere

A facilidade e poder de edição decorrentes da tecnologia digital conquistaram a maioria dos realizadores, bem como, a restante indústria cinematográfica. Se pensarmos bem, a maioria dos filmes com os quais nos deparamos hoje em dia, seriam impossíveis de realizar se não se tivesse dado a digitalização desta etapa. De facto, a maioria dos filmes actuais são capturados na tradicional película de 35mm, digitalizados, editados e impressos novamente em filme para distribuição. O cinema digital e a digitalização das etapas adjacentes, captura e distribuição, vem então diminuir estes custos de conversão, bem como, a perda de qualidade e de tempo inerentes.

4. Distribuição

O grande interesse demonstrado pelos principais estúdios cinematográficos na evolução para o cinema digital, deve-se em parte à redução de custos associada à distribuição de filmes em formato digital. Actualmente a distribuição é uma das componentes mais importantes do orçamento de uma obra cinematográfica de grande relevo. Esta engloba não só o custo de duplicação da película original para bobinas destinadas aos cinemas, o que pode chegar aos $2000 por cópia, como também o custo de enviar esses bobinas [13]. A indústria cinematográfica estima que poderá poupar na ordem de mil milhões de dólares por ano, só em custos de distribuição, ao adoptar o cinema digital.

O processo que tem vindo a ser seguido ao longo dos anos, consiste na impressão de novas cópias do original segundo uma hierarquia, visto que a qualidade de uma determinada película se vai degradando quanto mais vezes esta for copiada ou visualizada. Os defeitos resultantes podem passar por sujidade, gordura e filmes riscados. Isto leva a que as cópias produzidas para efeitos de distribuição tenham por vezes de ser substituídas pelos estúdios quando estas já se encontram desgastadas, o que acontece em média após 30 visualizações. Os custos elevados de duplicação de filme e de transporte para os cinemas, leva a que os estúdios tenham de analisar bem a relação custo benefício da distribuição em larga escala de cópias dos seus filmes [14].

Pelílucas
Figura 4: Películas para exibição (© Mark Fontana)

Com a distribuição em formato digital, em que um filme não passa de um conjunto de ficheiros digitais, é possível gerar o número de cópias pretendido, em que o custo por cópia se resume apenas ao suporte digital utilizado e/ou os custos de envio dessa cópia. Não há qualquer alteração da qualidade quer do original, quer das cópias, durante todo este processo, e, ao contrário da película tradicional, um espectador que veja o filme várias semanas depois de ter estreado terá a mesma experiência que um espectador que o tenha visto na estreia. As imagens digitais projectadas correspondem às mesmas imagens que foram aprovadas pelo realizador e pelos estúdios, sem qualquer perda de fidelidade.

Em qualquer sistema de distribuição digital é necessário que o filme se encontre num formato digital normalizado. No caso da norma DCI, as imagens, som e metadados são combinados para formar um DCDM que engloba todos os dados necessários à apresentação de um filme num cinema. Dada a importância dos mecanismos de segurança, que pretendem diminuir o impacto do roubo e da duplicação não autorizada de conteúdos, passa-se à cifra do DCDM e obtém-se o DCP. Em qualquer caso, as chaves necessárias à decifra do DCP deverão ser enviadas aos cinemas por um canal seguro, diferente do utilizado para o envio do DCP propriamente dito.

Surge então o problema de distribuir o DCP aos cinemas. Curiosamente, a solução adoptada actualmente para o cinema digital partilha das desvantagens do processo tradicional de distribuição de obras cinematográficas, o envio físico das mesmas. Neste caso o DCP é replicado em discos rígidos que são posteriormente enviados pelos meios convencionais, por exemplo, por transportadora, aos cinemas.

Ao ser recebido no cinema, o filme em formato digital é copiado para o servidor central do cinema, onde fica armazenado até ser carregado pelos media servers associados a cada projector digital. Quando terminar a exibição do filme nesse cinema, o disco será devolvido e poderá ser utilizado em distribuições futuras. Este processo não é contudo económico e exige intervenção manual no envio e na recepção. Como se trata de um suporte digital delicado, são exigidos também cuidados adicionais no transporte.

Distribuição
Figura 5: Arquitectura do sistema

Dada a explosão das redes de comunicação que se tem vivido desde o aparecimento da Internet e a proliferação dos acessos de elevada largura de banda, começou-se a considerar a possibilidade de enviar os filmes digitalizados através de ligações de fibra óptica ou através de satélite. Para já a utilização de fibra óptica não é aplicável à grande maioria dos cinemas, que se encontram fora das grandes áreas urbanas ou em países com um fraco investimento em infra-estruturas de comunicação terrestres. O envio por satélite apresenta-se então como um candidato ideal à distribuição: permite alcançar cinemas que se encontrem em locais remotos e é um sistema orientado à difusão. Este método é essencialmente automático, os ficheiros digitais, como o DCP, poderão ser descarregados durante a noite pelo servidor central do cinema, sem qualquer intervenção humana, diminuindo a necessidade de mão-de-obra e possibilidade de extravio.

O custo de qualquer uma destas soluções de transmissão é bastante inferior ao do envio físico em suporte digital. A adopção generalizada das mesmas constitui uma das grandes esperanças da indústria cinematográfica, sendo de esperar que no futuro a distribuição deixe de ser uma preocupação quer para os estúdios, quer para os cinemas.

5. Projecção

A projecção é, de toda a cadeia de valor do cinema digital, aquela que causa maior impacto no utilizador mas também aquela em que se apresentam os maiores desafios. Por um lado a este nível há um número muito mais elevado de intervenientes do que nos anteriores, em que o mercado é controlado por um punhado de grandes empresas. Por outro, os benefícios económicos da conversão são aqui menos sentidos, mas dependem de um investimento inicial significativo.

5.1. Tecnologia

Existem actualmente duas tecnologias com relevância comercial a nível de projectores para cinema digital: Digital Light Processing (DLP, [12]), desenvolvida pela Texas Instruments, e Liquid Crystal on Silicon (LCoS), utilizada por exemplo pela Sony (com o nome Silicon X-tal Reflective Display (SXRD, [13])). Ambas são tecnologias reflectivas, em que a luz é projectada sobre uma superfície que a reflecte selectivamente, criando assim a imagem.

Nos projectores DLP a superfície é denominada Digital Micromirror Device (DMD) e é constituída por uma matriz de espelhos microscópicos cuja posição é controlada electronicamente, alternando entre reflectir a luz para a lente ou para fora dela (tipicamente para um dissipador de calor). Para obter níveis intermédios de luminosidade recorre-se a um switching rápido de posições, conseguindo os projectores actuais representar 1024 tons.

DMD
Figura 6: Chip DLP

Nos projectores LCoS o princípio básico é semelhante, mas em vez de espelhos são utilizados cristais líquidos colocados sobre uma superfície muito reflectiva. A luz é polarizada e incide sobre a matriz de cristais, atravessando-a em quantidade dependente da posição destes, por sua vez consequência da tensão aplicada a cada.

Em ambos os casos, a produção de uma imagem colorida de qualidade máxima requer a utilização de três dispositivos, um para cada canal. Tipicamente, a luz é emitida por uma única lâmpada, sendo separada nos seus componentes, enviada para cada dispositivo, e recombinada opticamente no final.

5.2. Novos conteúdos

A evolução para a projecção digital abre as portas à transformação da sala de cinema de um local de projecção de filmes tradicionais num local de projecção de uma variedade de conteúdos. Entre estes, contam-se eventos desportivos e culturais, que podem inclusivamente ser transmitidos e projectados em directo – um exemplo disto é a série de concertos “The Metropolitan Opera: Live in HD” [14]. Existe também uma maior facilidade de exibir filmes de cariz independente e baixo orçamento, para os quais os custos da película tradicional seriam proibitivos – adivinha-se a possibilidade de abertura de uma nova vaga de pequenos festivais de cinema.

5.3. Cinema 3D

A projecção estereoscópica, também conhecida por 3D, teve o seu primeiro apogeu na década de 50, após o que caiu gradualmente em desuso. Desde a década de 80 foi um privilégio quase exclusivo da tecnologia IMAX 3D [14], que depende de equipamento de captura complexo e dispendioso, além de apenas poder ser exibida em salas construídas especificamente para o efeito.

Com a expansão do cinema digital surge o interesse em reavivar a projecção 3D: o equipamento utilizado é propício, sendo relativamente poucas as alterações necessárias. Assiste-se assim a uma nova tendência para o cinema 3D, com múltiplos títulos a serem lançados entre 2005 e 2008.

Projecção Estereoscópica Polarizada
Figura 7: Funcionamento da projecção estereoscópica polarizada.

Existem várias soluções tecnológicas para a projecção estereoscópica, sendo uma das mais populares o Real D Cinema [15], baseado num princípio de polarização diferenciada para a imagem a apresentar a cada olho. O sistema utiliza apenas um projector DLP, que projecta alternadamente frames para o olho esquerdo e olho direito, a um ritmo de 144 frames/s. Em frente à lente é colocado um Z-Screen, um dispositivo electrónico que actua como filtro polarizador circular, alternando em cada frame o sentido de polarização. A cada espectador é dado um par de óculos, em que as lentes são também filtros polarizadores de sentidos inversos, criando-se assim a associação pretendida entre a frame e o olho a que se destina.

5.4. Impacto económico nos cinemas

A expansão do número de cinemas equipados com sistemas de projecção digital tem sido fortemente limitada pelo custo dos equipamentos de projecção e toda a infra-estrutura de apoio à sua operação (ex: media servers e servidores de ficheiros). Existem também dúvidas relativamente à fiabilidade, durabilidade, facilidade de operação e manutenção destes novos equipamentos quando comparados com os seus antecessores. O custo de adquirir e instalar equipamento de projecção tradicional de 35mm, numa sala de cinema, ronda os $35 000, enquanto que para o equivalente digital, rapidamente se ultrapassa os $100 000.

Como consequência do elevado investimento necessário à conversão das salas de cinema existentes e ao aparecimento de novas salas com projecção digital, os responsáveis pela exploração dos cinemas têm-se mostrado hesitantes em abandonar a tecnologia de 35mm existente. Outro factor importante a considerar é a compatibilidade: não se iria investir num sistema que apenas conseguisse exibir filmes de alguns estúdios. A norma DCI e os equipamentos certificados segundo a mesma, veio dar resposta a estas preocupações, garantindo a interoperabilidade.

Torna-se, então, necessário que existam incentivos económicos suficientes para convencer os responsáveis pela exploração dos cinemas. A possibilidade de receitas adicionais através da exibição de conteúdos alternativos é um argumento que joga a favor do equipamento digital. Outra estratégia, bem mais aliciante, reside na possibilidade dos estúdios cinematográficos financiarem grande parte da transição para equipamentos digitais. Dado que são os próprios estúdios quem mais irá poupar, nomeadamente na distribuição, com a digitalização da cadeia de valor da indústria cinematográfica, é natural que tenham de comportar também o maior investimento.

A Access IT e a Technicolor, estão a explorar um novo modelo de negócio nos EUA, conhecido por Virtual Print Fee. Neste modelo, os estúdios irão pagar à empresa que instale os seus equipamentos e software, uma quantia por cada exibição de um filme utilizando esse sistema. Estes pagamentos terminam quando tiver sido amortizado o custo dos equipamentos. O objectivo deste modelo reside não só nas vantagens óbvias para os responsáveis pela exibição, como também para os estúdios, que apesar de pagarem por cada exibição, irão poupar face à duplicação de película de 35mm. Espera-se que com este modelo de negócio pioneiro, cada vez mais cinemas decidam optar pela via do cinema digital.

6. O cinema digital em Portugal

O cinema digital deu os primeiros passos em Portugal a 10 de Outubro de 2003, dia da inauguração do cinema Millenium Alvaláxia e da sua sala 4, equipada com um projector digital Barco D-Cine Premiere DP50 [16]. Este projector DLP era capaz de uma resolução 1280x1024 [17], sendo na altura pensado para exibição de eventos HDTV e demonstração das capacidades do meio. Em Maio de 2005, aquando do lançamento do título Star Wars Episode III: Revenge of the Sith, este mantinha-se como o único cinema português com projecção digital [18], mas já com um novo equipamento Barco D-Cine Premiere DP100 com resolução 2K [19]. Tendo um dos autores estado presente nessa estreia, podemos afirmar que a qualidade era subjectivamente superior à de uma película tradicional, não se observando qualquer imperfeição na exibição do filme.

Poster SW Ep III
Figura 8: Poster de estreia do filme Star Wars Episode III: Revenge of The Sith no cinema Millenium Alvaláxia.

O Millenium Alvaláxia foi ainda o único cinema em Portugal a exibir o filme Saraband, última longa-metragem de Ingmar Bergman, que, insatisfeito com a versão de 35mm, apenas aprovou a sua exibição em cinemas com projecção digital de alta definição [20].

Em 2006 entra-se numa nova fase, com a instalação pela Lusomundo dos primeiros sistemas compatíveis com as normas DCI, nos cinemas Almada Fórum, Dolce Vita Porto, CascaiShopping e Ferrara Plaza [21]. Os sistemas, fornecidos pela Kinoton, são também baseados em componentes Barco [22] e apresentam uma resolução 2K, mas com a possibilidade de actualização futura para 4K. Em Junho do mesmo ano, integrado no Lisbon Village Festival, tem lugar em Lisboa o Village International D-Cinema Festival, promovido como o primeiro festival europeu de cinema 100% digital [23].

Video 2: Reportagem da RTP sobre a instalação das primeiras salas digitais da Lusomundo.

Desde então tem havido uma enorme expansão por todo o país, assistindo-se a uma nova tendência: o cinema digital 3D. A estreia do filme de animação Beowulf em Novembro de 2007 surge como a primeira aposta forte no cinema 3D digital, sendo a estreia da versão 2D atrasada uma semana. A exibição do filme é precedida por um preview do concerto U23D, que viria a estrear em Abril de 2008 apenas em salas 3D [24]. Tendo mais uma vez um dos autores assistido à exibição deste título, podemos também descrever como radical a evolução da tecnologia face aos antigos anáglifos. O preview do concerto foi especialmente interessante, criando uma sensação de imersão muito mais intensa que a do cinema tradicional.

A estreia deste concerto trouxe-nos também, pelas mãos da Screenvision, a primeira campanha publicitária 3D, realizada para a marca Super Bock.

Portugal conta actualmente com 16 salas de projecção digital tridimensional REAL D, 15 das quais pertencentes à Zon Lusomundo, sendo o segundo país da Europa com maior número de salas equipadas para este fim [25].

7. Conclusão

Como é evidente pelas evoluções que se verificaram, quer em termos de normalização e tecnologia, quer em termos de modelos de negócio, o cinema digital tornou-se uma realidade incontornável na indústria cinematográfica. Com cada vez mais realizadores a adoptarem esta tecnologia, incluindo nomes conhecidos como Steven Soderbergh, Peter Jackson e Robert Rodriguez, é natural que as câmaras digitais venham a substituir progressivamente as câmaras de 35mm tradicionais como ferramenta artística de eleição. De forma idêntica a distribuição digital, com a enorme redução de custos que apresenta, é um forte incentivo à adopção do cinema digital pelos grandes estúdios cinematográficos. Após o investimento inicial por parte dos cinemas, o espectador final poderá usufruir de novos conteúdos com uma qualidade de imagem superior e, quem sabe, novas formas de entretenimento que ainda nem sequer tenham sido pensadas.

Video 3: Video promocional de Cinema Digital

8. Referências

9. Biografias

António Marques nasceu em Bruxelas em 1986, tendo-se licenciado em Engenharia de Redes de Comunicação pelo Instituto Superior Técnico em 2007. Actualmente frequenta o Mestrado na mesma área.
É desde 2006 Tesoureiro do Núcleo de Estudantes de Engenharia de Redes de Comunicação e Informação (NEERCI-IST) e membro do CS5CEP - Centro Espacial Português.

Jorge Soares nasceu em Lisboa no ano de 1986. Licenciou-se em Engenharia de Redes de Comunicação pelo Instituto Superior Técnico, onde frequenta actualmente o Mestrado na mesma área.
É Bolseiro de Investigação no INESC-ID em Porto Salvo, onde trabalha na área da Recuperação de Informação. Ocupa as funções de Vice-Presidente do Núcleo de Estudantes de Engenharia de Redes de Comunicação e Informação (NEERCI-IST) e de Presidente do Comité Executivo do IEEE Student Branch do IST. É membro do CS5CEP - Centro Espacial Português.