Telecirurgia

 

Um dos aspectos mais importantes, arrojados e inovadores da telemedicina é a telecirurgia. Este conceito consiste em realizar operações cirúrgicas à distância usando para isso robots e técnicas computacionais avançadas. O cirurgião tem assim a possibilidade de controlar o robot à distância e ter uma total informação acerca da operação no quarto do paciente. Este sistema tem de possuir algumas características essenciais:

-         Precisão;

-         Segurança em relação a intrusos no sistema;

-         Segurança em relação ao paciente;

-         Operação em tempo real;

-         Portabilidade;

-         Diversidade de aplicações.

Com o desenvolvimento deste conceito de cirurgia à distância e com o avanço de técnicas de cirurgia de mínima incisão (Minimaly Invasive Surgery - MIS) será possível efectuar em zonas remotas operações cirúrgicas de elevada complexidade.

 

 

 

 

Cirurgia de Incisão Mínima Robotizada

 

As técnicas de cirurgia avançadas desenvolvidas nas últimas décadas aumentaram dramaticamente a esperança média de vida. No entanto, no início estas operações eram acompanhadas por perdas excessivas de sangue e infecções devido às grandes incisões que eram feitas. Um grande avanço foi conseguido com a introdução da cirurgia de incisão mínima (CIM). Ao contrário das técnicas de cirurgia normais, a área da onde decorria a operação era acedida através de pequenas incisões. Usualmente, pelo menos duas incisões para os instrumentos, uma para o endoscópio e por vezes uma para insuflação com CO2. Apesar destas técnicas apresentarem vantagens em relação às técnicas de cirurgia convencionais apresentavam o inconveniente de, para o cirurgião ser complicado trabalhar em espaços tão reduzidos.

Com o intuito de solucionar este problema, foram integradas tecnologias do domínio da robótica. Existem três áreas principais nas quais o uso de sistemas de cirurgia robotizada se tornou disponível:

1.      Cirurgia de ossos. As acções mais usuais nesta área são operações de perfuração e trituração de alta precisão, o que envolve forças e vibrações elevadas.

2.      Neurocirurgia. Neste campo, o requisito mais importante é uma alta precisão num espaço de manobra reduzido.

3.      Cirurgia abdominal e toráxica. Aqui tem-se um espaço de trabalho grande mas lida-se com órgãos altamente deformáveis pelo que é necessário que exista feedback de força de alta fidelidade.

 

O sistema robótico utilizado  neste sistema de cirurgia de incisão mínima robotizada (CIMR) é usualmente constituído por:

-         Sub-sistema  Master (Fig. 1.1a)). Este é o espaço de trabalho do cirurgião. As acções do cirurgião são convertidas nos movimentos adequados do actuador com a possibilidade de se suprimir os tremores involuntários para uma maior precisão e segurança. É indispensável um sistema de visão stéreo de alta qualidade e um sistema de retorno da pressão exercida pelo instrumentos no paciente.

-          Sub-sistema Slave (Fig. 1.1b)). Localizado no lado do paciente, este sistema consiste em duas componentes principais: os braços robotizados e os instrumentos de cirurgia. Esta separação deve-se ao facto de um dos requisitos mais importantes ser a possibilidade de se substituir os instrumentos durante um procedimento médico. Os braços actuados e os instrumentos devem oferecer os mesmos graus de liberdade das mãos humanas. Este sub-sistema contém ainda um endoscópio.

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Canal de comunicação. Vários canais de largura de banda elevada são necessários para assegurar  a transferência de dados entre os sub-sistemas Master e Slave. Requisitos como banda garantida e pouco ou nenhum atraso têm que ser satisfeitos.

 

 

 

 

 

 

              Fig. 1.1 a) Master                                                           Fig. 1.1 b) Slave

 

Para além destas características, existem ainda outras que se encontram em avaliação em centros de pesquisa e investigação:

-         Cameras de auto ajuste. Conhecendo a posição dos instrumentos e consequentemente a sua área de trabalho a camera ajustar-se-ia automaticamente a um posicionamento óptimo.

-         Autonomia parcial. Trata-se de tornar possível que o robot execute tarefas simples como corte e perfuração de um modo automático

-         Compensação do movimento do corpo. Principalmente na zona do tórax existe uma quantidade de movimento notável devido à respiração e ao batimento cardíaco. Torna-se então absolutamente necessário compensar este movimento.

 

Todas a vantagens da cirurgia de incisão mínima robotizada são bastante alargadas pela telecirurgia. As características da CIMR estão presentes mas com a grande vantagem de o sub-sistema Master poder estar separado do sub-sistema Slave por grandes distancias. A constituição de um sistema de telecirurgia exibe algum pontos em comum com os descritos atrás para a CIMR:

-      Instalações do paciente. É nestas instalações que o paciente é operado. Está assim presente o sistema de aquisição de dados. Este sistema captura as imagens médicas necessárias a um diagnóstico. Vários tipo de imagens poderão ser captadas mas no entanto inicialmente são considerados MRI (Magnetic resonance imaging ), CT (Computed Tomography)  e PET (Positron Emission Tomography ). Estará também presente um cirurgião assistente que conduz apenas o início da operação, estando presente durante a sessão para assegurar a segurança do paciente no caso de acidente. O paciente será operado pelo actuador robótico tal como na CIMR. O sinal vídeo capturado pelo robot será também transmitido ao cirurgião. Outros tipos de sensores são igualmente necessários, tais como a temperatura, a pressão sanguínea e o batimento cardíaco, e toda esta informação é transmitida ao cirurgião.

-              Instalações do cirurgião. Estas instalações contêm o sistema de exposição da operação. Este sistema irá mostrar passo a passo a operação a decorrer nas instalações do paciente. Uma vez que o volume de dados é bastante grande serão necessárias técnicas de compressão para diminuir a que o débito de transmissão seja sustentável pelo canal de transmissão. Serão usadas técnicas como codificação Embedded Zero Tree Wavelet e compressão fractal Será possível obter imagens tridimensionais de alta qualidade dos órgãos a operar.  Será também usado o sistema de codificação MPEG 4,  permitindo assim interagir com objectos e requisitar informação relacionada. Estas imagens podem ser actualizadas por algoritmos de processamento com o estado actual dos mesmos. Aqui o cirurgião tem acesso a luvas de operação e a mecanismos de realidade virtual que lhe permitem controlar a operação e ter um retorno das condições em que decorre a operação como a pressão exercida no paciente, de forma semelhante ao que se passa em CIMR. Os mecanismos de realidade virtual referidos permitem também que o cirurgião possa interagir com construções 3-D dos objectos da operação.

-              Instalações de processamento de dados. Visto que a distancia entre o operador e o paciente é elevada, existem muitos mais dados a transmitir. Para tornar possível todas as operações de processamento de imagem, vídeo, som e transmissão de dados são necessários supercomputadores de alta performance. Estes computadores tipicamente utilizam o sistema operativo UNIX, com memória na ordem de 256 GB e 2048 processadores. São ainda incluídos chips para a realização de tarefas específicas e FPGAs reconfiguráveis.

-              Rede de transmissão. Esta rede terá de suportar os elevados débitos de transmissão que resultam da elevada quantidade de dados que resulta desta interacção entre o paciente e o cirurgião. Será uma rede mais complexa do que existente em CIMR visto que os dados transmitido são em maior quantidade. Como já foi referido atrás, será necessário transmitir, para além dos dados relativos ao controlo do robot, todos dados referentes ao estado do paciente.

 

 

 

 

 

Projecto ARTEMIS

 

O projecto ARTEMIS (Advaced Robotic and Telemanipulator System for Minimal Invasive Surgery) (Fig. 2.1), desenvolvido pela Forschungszentrum Karlsruhe (FZK) é um exemplo de um sistema de telecirurgia. Este foi o primeiro projecto de telecirurgia da Alemanha e um dos primeiros a nível mundial. Este sistema é constituído por três componentes: interface Homem/Máquina, o sistema de trabalho e o sistema de controlo.


 

 

 

 

 

                                                                a) Master                                                                      b) Slave

                                                                                          Fig. 2.1 O sistema ARTEMIS

A interface Homem/Máquina é composta por dois manipuladores, interface gráfica para o utilizador, sistema de imagem 3D do ambiente da operação, entrada de voz e pedais. O sistema de trabalho tem duas unidades de telemanipulação: um sistema de controlo dos instrumentos e um sistema responsável por conduzir o endoscópio. Estes dois sistema permitem que a camera seja controlada de um modo automático.  Finalmente o sistema de controlo permite a cooperação entre as outras duas componente do ARTEMIS. A comunicação é feita via LAN para distância curtas e por uma conecção ATM para grandes distancias. Este sistema apresenta um único senão, que é a falta de retorno de força.

  

 

 

 

Virtual Reality Assisted Surgery Program (VRASP)

 

Este sistema está a ser desenvolvido para ser implementado na sala de operações e dará ao cirurgião apoio computacional na operação. Irá permitir ao cirurgião ter acesso a dados relativos à operação em reposta aos seus comandos. A grande inovação deste sistema é que os dados serão construções 3D com os quais o cirurgião poderá interagir e visualizar de qualquer perspectiva em tempo real.

A aplicação desta técnica tem inúmeras finalidades. A figura 3.1 inclui renderizações tridimensionais reais feitas a partir de dados CT (Computer Tomography) que mostram diferentes superfícies da cabeça de um paciente (pele e osso por exemplo). A linha central mostra o crânio danificado (esquerda), a prótese da metade do maxilar superior danificado desenhada a partir da metade normal do maxilar (duas imagens do meio) e e o implante simulado (direita). Na última linha está representado o crânio intacto (esquerda), uma prótese para o maxilar inferior obtida através da metade intacta e final mente a simulação do implante.

 


Estas técnicas podem ser aplicadas em planeamento neurocirurgico, aplicações em cirurgia ortopédica, separação de gémeos siameses, entre outras. 

 

 

 

 

 

 

           Fig. 3.1 Planeamento de cirurgia                                            Fig. 3.2 Planeamento de cirurgia para                                          craniofacial                                                                           separação de gémeos siameses

 

Para manter uma ilusão de realidade, as imagens geradas têm que ser suavemente animadas. Os sistema tem que ser, então, capaz de suportar uma actualização feita a um ritmo mínimo de 30 imagens por segundo. Para além disso, é necessário que responda em tempo (quase) real aos comandos do operador. Para isso, o atraso entre a chamada ao sistema e a sua resposta deve ser menor que 100 ms (idealmente 10 ms). Devido a limitações de hardware, estes requisitos constituem uma limitação à complexidade das imagens geradas.

Existem no entanto problemas com este sistema. Apesar de existirem algoritmos capazes de gerar imagens fotorrealisticas, os algoritmos de actualização não conseguem suportar o ritmo de aquisição e construção de imagens necessário. A maioria dos algoritmos de reconstrução de superfícies geram superfícies detalhadas a partir da representação em polígonos das superfícies com um número extremamente alto de polígonos. Para ser bem sucedido, um sistema médico de realidade virtual requer meios para transformar uma imagem volumétrica em modelos geométricos (poligonais) aceitáveis. Isto requer uma capacidade para, de um modo preciso, segmentar o objecto desejado, detectar a sua superfície e gerar a melhor representação possível desta superfície. O hardware existente é capaz de reconstruir e manipular em tempo real aproximadamente 20,000 polígonos complexos. Algoritmos como Marching Cubes, Spider Web e Wrapper produzem superfícies de alta resolução utilizando 40,000 a vários milhões de polígonos.

O projecto VRASP é desenhado para três fases: 1) planeamento, 2)  ensaio e 3) realização. Na fase inicial, o cirurgião planeia o procedimento cirúrgico usando dados obtidos a partir de Tomografia Assistida por computador e Ressonância Magnética em computadores poderosos. É usado um software de reconstrução de imagens tridimensionais e análise de imagens, ANALYZE. Esta componente já está operacional e foi usada para planear milhares de procedimentos em pacientes de cirurgia cranio-facial, cirurgia ortopédica e neurocirurgia. A segunda fase serve para o cirurgião rever e ensaiar os procedimentos desenvolvidos durante a fase de planeamento. Para isso é usado equipamento de realidade virtual, nomeadamente, uma máscara com mostrador, luvas de interacção e uma interface cirurgião-computador, e um computador de alta performance. Na terceira e ultima fase, a equipa médica executa os procedimentos. O cirurgião usa o equipamento de realidade virtual para ver o procedimento planeado, o procedimento actual e o estado actual da operação através de actualizações das construções 3D do paciente.

Embora inicialmente este projecto fosse pensado para uma utilização numa sala de operações convencional, o seu âmbito de utilização começa a alargar-se no campo da telemedicina, nomeadamente em aplicações de telecirurgia. Um cirurgião pode assim planear e executar procedimentos cirúrgicos à distancia com o auxílio destas técnicas.

 

 

 

         A telecirurgia é mais um grande passo na história da cirurgia e da medicina. Apesar do seu desenvolvimento não estar ainda completo, os suas benefícios são óbvios. Será assim possível aplicar técnicas de micro cirurgia e executar operações complexas a grandes distancias. Em zonas guerra ou em locais de difícil acesso ou com falta de meios humanos especializados, a telecirurgia é uma solução que, com o decorrer da investigação actual, se tornará cada vez mais viável e acessível.