4. DAB – Difusão Áudio Digital

 

4.1 Introdução

 

Com a introdução da tecnologia digital e de todos os seus formatos, tornada acessível a um público geral pela sua massificação e consequente baixa de preço, as expectativas do consumidor em relação à qualidade da recepção no seu rádio subiram. Nos dias que correm é esperado que esta qualidade seja do nível de um leitor de discos compactos (CD), presente em qualquer casa. Isto constitui um obvio desafio para os difusores de rádio, que sentem a necessidade e vêm o interesse de oferecer esta qualidade aos milhares de utilizadores de rádio existentes pelo mundo fora. O interesse e a complicação aumenta com a necessidade de difundir para receptores móveis, número este de utilizadores que constitui uma grande fatia de ouvintes rádio e, por isso, de grande interesses comerciais.

Desde os anos 50 que a modulação em frequência é largamente utilizada para difundir programas de alta qualidade. A sua qualidade em recepção móvel, como explicado em 3.2, não é das melhores não se podendo equiparar à qualidade digital. O sucesso de um sistema digital pode ser esperado como um estimulo ao mercado económico Europeu, em particular se for acordado um standart para o DAB a nível mundial [3].

 

4.2 Descrição do sistema DAB

 

Os sinais digitais, geralmente, não são adequados para difusão por causa da interferência causada pelos reflexos deste mesmo ao seguir vários caminhos, desvanecimento por multipercurso, e pelo desvanecimento selectivo [2]. Um sistema de DAB teria de ser capaz de ultrapassar estes problemas no canal de transmissão associados a uma recepção móvel.

O coded orthogonal frequency division multiplex (COFDM) foi o primeiro sistema de DAB capaz de operar em tais condições adversas [3]. Este foi projectado pelo grupo Eureka 147 em conjunto com a European Broadcasting Union (EBU). Este complexo método consiste na divisão da frequência por multiplexagem. É usado com um sistema de codificação por sub-banda áudio, conhecido por MUSICAM que atinge um alto nível de redução de taxa binária no material da fonte de programação. O factor de redução pode ir até sete, o que significa programação stereo perto da qualidade de CD reproduzida com uma bit-stream de aproximadamente 200kbit/s contra os convencionais, usados para CD, 1411kbit/s. Apesar de ser um processamento de sinal complexo, com a tecnologia VLSI presente, um receptor pode ser fabricado a um preço relativamente baixo.

O processo de codificação [3] assenta nas características psico-acústicas da audição humana, que mascara sons de baixo nível na presença de sons de frequência idêntica a mais alto nível. Como se pode observar na Fig. 4.1, o ouvinte não conseguiria ter percepção de um sinal áudio tais como aqueles representados a azul junto da área a rosa. Isto indica que não precisam de ser digitalizados, reduzindo assim a quantidade de informação necessária a transmitir.

 

Fig. 4.1 – Processo psico-acústico de mascarar sons (fonte SWF)

         

          Outro aspecto importante deste sistema é a técnica de transmissão usada pelo COFDM [2;2]. O principio básico consiste em dividir a informação do codificador entre um grande número de portadoras adjacentes. Assegurando que a duração de um símbolo não é mais longo do que o atraso introduzido ao longo do canal e que um intervalo de segurança é deixado entre os sucessivos símbolos, o sistema ultrapassa os problemas a um canal Rayleigh, tais como o desvanecimento selectivo e o multipercurso. Na Fig. 4.2 pode observar-se como o espaçamento entre o tempo e a frequência é obtido.

O espaçamento de tempo tem o efeito de fazer os erros introduzidos na amostra sequencial tornarem-se mais regularmente espalhados durante o processo de “de-espaçamento” no receptor, permitindo assim uma melhor protecção de erros. Espalhando a informação sobre uma largura de banda grande (espaçamento de frequência), a interferência entre símbolos é reduzido. Uma técnica de codificação poderosa e um sofisticado algoritmo de correcção de erros torna o sistema deste projecto (Eureka 147) ideal para serviços de rádio para receptores móveis e fixos em todos os tipos de ambiente.

 

Fig. 4.2 – Distribuição da informação para seis canais stereo num bloco de 1,5MHz de largura de banda

         

          Com este sistema, COFDM, os erros na recepção por multicaminho são eliminados, dado a baixa taxa de dados em cada portadora RF, qualquer atraso relacionado com a reflexão do sinal (ecos passivos) adiciona-se de uma forma construtiva ao sinal directo já recebido. Tal não acontece se este atraso for muito superior que o espaçamento de tempo introduzido no sistema, cerca de 300µs em VHF (atrasos desta magnitude são extremamente raros na maioria dos tipos de terreno onde se verifica reflexões por multicaminho). Isto leva a um importante conceito que é as Single Frequency Networks (SFNs). A construção de redes que usam uma única frequência permite todos os transmissores cobrirem uma área particular com o mesmo conjunto de programas de som ou dados usando a mesma frequência nominal, i.e., no mesmo bloco de frequências.

Tecnicamente, este sistema, Eureka 147 DAB, pode operar em qualquer frequência entre 30MHz e 3GHz. Esta larga gama de frequência inclui a banda VHF I, II e III, a banda UHF IV e V e a Banda-L (que ronda os 1,5GHz). Como as condições de propagação variam com a frequência o sistema apresenta quatro modos de operação como se vê na Tab. 4.1 [4].

 Estes são automaticamente detectados pelo receptor e são transparentes para o utilizador. O Modo I oferece a melhor eficiência a nível espectral sendo assim adequada para uma rede terrestre de frequência única (SFN) operando a frequências abaixo dos 300MHz. O Modo II foi desenhado para uma rede local ou regional de serviços a operar abaixo dos 1,5GHz. O Modo III está disponível para serviços de difusão via satélite, operando abaixo dos 3GHz. O Modo IV, introduzido mais tarde, foi desenhado para permitir sítios de transmissão existentes providenciarem uma cobertura óptima de grandes áreas, pelos meios SFN, operando na Banda-L. Os parâmetros de operação deste modo, IV, estão entre os dos Modos I e II.

 

                           

Tab. 4.1 – Características principais dos três modos COFDM

 

          4.3 Alocação dos serviços DAB

         

Alguns dos pontos de maior interesse, para os difusores, na agenda da, já mencionada, WARC-92 são os que se referem ás alocações adicionais na banda das altas frequências [2]. A Fig. 4.4 mostra as novas alocações para transmissões na banda HF acordadas.

          É sabido que o espectro para o DAB vai ser, muito provavelmente, encontrado em bandas de frequências já em uso para outros serviços de difusão [3]. Tais serviços serão, provavelmente, a televisão ou a rádio. Esta partilha de bandas, quer para uso de DAB fixo, móvel ou em serviços aeronáuticos, tem implicações que têm der ser cuidadosamente consideradas.

          Para determinar as possibilidades de uma partilha de uma forma quantitativa, é necessário estabelecer valores mínimos apropriados de interferência entre sinais nas seguintes situações:

·       DAB – DAB (com os mesmos programas e em SFN)

·       DAB – DAB (com programas diferentes)

·       DAB – Rádio FM

·       DAB – TV

·       DAB entre serviços fixos e móveis com ILS e VOR

Testes para verificar estas situações foram levadas a cabo por alguns difusores como a BBC, CCETT, TDF, IRT e YLE [3]. Estes testes têm de ser realizados tendo em conta sinais disponibilizados por alguns serviços como “NICAM digital sound”, pela televisão, ou o RDS, pela rádio. Os resultados de alguns dos primeiros testes são usados na planificação da possibilidade de alocação partilhada no espectro e de redes futuras.

 

 

Fig. 4.4 – Novas alocações para difusão em HF

 

 

4.4 Interferência dos sistemas DAB com sinais analógicos como os da rádio FM e da TV

 

Uma característica dos sistemas de modulação analógicas, como a televisão e a rádio, é existir uma degradação gradual da qualidade à medida que o nível de interferência aumenta. Isto não acontece com os sistemas digitais [3].

Quando se determinam taxas de protecção de interferência dos sinais DAB com os da televisão e da rádio, é admissível aceitar limites consistentes com aqueles já existentes entre sinais de televisão e rádio. Impor estes limites torna-se muitas vezes difícil, pois é esperado que diferentes organizações imponham diferentes limites. Para minimizar estas variações é importante serem acordados métodos de medida comuns e standartização de planos/planificação pelos vários difusores e organizações reguladoras.

No que respeita às tolerâncias ao ruído e a outros sinais interferentes existem diferenças inerentes entre sistemas digitais e analógicas. Geralmente valores mais baixos das taxas de C/N e C/I são possíveis para sinais digitais, o que tem várias implicações no que diz respeito ao planeamento dos serviços. Primeiro, é mais fácil definir as taxas mínimas de C/N e C/I uma vez que existe apenas uma pequena diferença nos níveis entre as taxas para “apenas perceptível” e a perda total de inteligibilidade. Por causa desta rápida transição de alta qualidade para uma completa perda de sinal, o serviço tem de ser planeado para obter taxas de C/N e C/I satisfatórias para uma percentagem de tempo e local maiores do que para uma modulação analógica; um valor adequado será perto dos 99% [3].

A cobertura da televisão e da rádio FM é usualmente definida em termos de força de sinal em cada ponto da área a cobrir. Esta cobertura é reduzida pela presença de áreas onde os serviços pretendidos não estão protegidos, por um grau acordado, contra a interferência de outros transmissores. Os limites, no que respeita ao ruído e à interferência podem ser considerados independentemente. No caso de um serviço DAB os efeitos subjectivos do ruído e da interferência por outro transmissor DAB são virtualmente idênticos e o limite da cobertura é definido pela combinação dos dois efeitos (C/Ntaxa+Itaxa) [3]. Assim se um serviço for planeado para operar perto de valores baixos da taxa C/I, perto dos limites teóricos, será necessário manter graus de protecção relativamente elevados contra o ruído (C/Ntaxa) [3]. A cobertura passa assim a depender mais em termos das margens de protecção do que da força do sinal de transmissão.

 

          4.5 Transmissores e receptores DAB

 

A Fig. ..., no topo, mostra um transmissor de DAB conceptual, no qual o som e a informação são codificados individualmente ao nível da fonte, passando depois por uma protecção de erro e pelo espaçamento no tempo [4]. A seguir, o som e a informação são multiplexados no Canal Principal de Serviço, junto com os outros serviços, de acordo com uma codificação de serviço predeterminada mas variável. A saída do multiplexer é espaçada na frequência, combinada com um controlo multiplexado e com informação de serviço que viaja num Canal de Informação Rápida que não está espaçado no tempo. Neste nível, impulsos altamente sincronizados e precisos são adicionados sendo depois o codificador OFDM aplicado ao sinal onde, à sua saída, vai ser modulado em DPQSK num grande número de portadoras RF gerando o sinal DAB final.

Na Fig. 4.4, em baixo, é apresentado o receptor conceptual onde o sinal DAB pretendido é seleccionado num tuner analógico, sendo convertido e desmodulado antes de ser aplicado num conversor analógico-digital (A/D). A seguir, o receptor executa as operações do transmissor numa ordem inversa. O sinal à saída do conversor A/D é aplicado a um bloco de Transformada Rápida de Fourier (FFT do inglês Fast Fourier Transform) e depois desmodulado diferencialmente. Neste nível é feito o anulamento do espaçamento na frequência e uma correcção de erros. A seguir, o serviço originalmente codificado é ainda processado num descodificador áudio, para produzir os dois canais stereo. A descodificação de mais do que uma componente do serviço no mesmo conjunto, tal como um programa áudio em paralelo com um serviço de informação, é praticável e oferece possibilidades interessantes para novas modalidades de receptores. Um receptor destes tornará possível a escolha de uma estação do nosso tipo de música favorito de entre centenas de estações de rádio sem dificuldade.

 

Fig. 4.4 – Esquema de um transmissor DAB (em cima) e de um receptor DAB (em baixo)

 

          Para a recepção de serviços DAB, os consumidores terão de comprar novos receptores. Estes receptores também conterão a hipótese de recepção AM e FM, que embora inicialmente analógicos, passaram, num futuro próximo, a digitais. Estes receptores AM/FM/DAB digitais serão todos baseados em tecnologia avançada de computadores, que permitirão o download de grandes quantidades de informação para a configuração dos conjuntos de rádio e dos outros equipamentos associados (gravadores de cassetes digitais, Mini Disc, PC’s, etc.) [4].

          Sendo estes conteúdos de alto valor comercial, a industria mantém a investigação para o desenvolvimento de aplicações cada vez mais variadas e baratas para sistemas DAB, tais como:

O esforço da investigação para a redução do consumo de energia, em vista a portabilização, dos receptores é visível na Fig. 4.5.

 

Fig. 4.5 – Consumo de energia dos receptores DAB

 

          4.6 Algumas limitações do sistema DAB

         

Na introdução de um sistema e na sua planificação é essencial conhecer as suas limitações de forma a poder ultrapassa-las com as melhores escolhas técnicas e operacionais.

          A corrente do sistema DAB introduz um atraso de processamento significativo. O bloco de espaçamento de tempo pode introduzir atrasos na ordem dos 384ms e o codificador/descodificador áudio atrasos de algumas dezenas de milisegundos. Este atraso do sistema deve ser tido em conta quando o receptor troca entre programas DAB e FM em simulcast [4]. A solução será atrasar a transmissão FM cerca de um segundo dependendo do tipo de receptor.

          De forma a não perder performance no sistema DAB, a diferença de frequências entre transmissores geograficamente adjacentes tem de ser mantida a um mínimo da ordem de alguns hertz em 108. Consequentemente, transmissores locais têm de estar sincronizados por um oscilador de rubi ou uma referência distribuída a todos. A diferença de tempo entre estes transmissores terá uma implicação na capacidade do sistema de lidar com os ecos activos. Assim, todos os transmissores que operam em SFN devem estar sincronizados no tempo com uma precisão de 25µs, sendo este valor aproximadamente 10% do tempo de intervalo na transmissão em Modo I.

          A velocidade do receptor degrada a recepção de um sistema DAB. Tal deve-se ao efeito Doppler e impõe limites a esta velocidade, que pode ser considerada a qual leva a uma taxa de sinal/ruído para RF à degradação de 4dB. Embora não afecte a qualidade áudio afecta a área coberta por DAB ligeiramente. No caso de uma SFN a operar na banda UHF, a velocidade limite do receptor será cerca de 200Km/h. Se o receptor operar a 1.5GHz no modo IV o limite será 120Km/h.