2. Redes IPTV
Neste tópico, pretende-se estudar a arquitectura de uma rede IPTV de modo genérico, ou seja, de modo a dar-se uma visão geral sobre a mesma e perceber como é que esta funciona. Ir-se-á também ver o tipo de serviços que o IPTV disponibiliza, assim como os seus requisitos.
A arquitectura mais usual de uma rede IPTV é uma arquitectura do tipo end-to-end, ilustrada na Figura 1, destacando-se três grandes blocos:
Cabeça de rede de vídeo
Rede de transporte
Casa do cliente
Figura 1 – Estrutura básica de uma rede IPTV
Cabeça de rede de vídeo: é neste ponto da rede que se faz a aquisição dos sinais de televisão e o depósito dos conteúdos de vídeo (VoD - Video on Demand), para posterior formatação e distribuição na rede IP [3]. A cabeça de rede procede à codificação de cada um dos canais, usando um codificador de áudio e vídeo (geralmente MPEG-2), enviando-os para um servidor onde a informação é guarda e depois encapsulada em pacotes IP. É também responsável pela integridade dos conteúdos e a sua gestão.
Rede de transporte: a rede base do IPTV, tal como o nome indica, é a rede IP. No entanto, a rede de acesso garante a ligação entre o operador e o cliente. As tecnologias de acesso mais comuns são o DSL (Digital Subscriver Line) e a PON (Passive Optical Network), podendo ser utilizadas no DSL tecnologias assimétricas, ADSL, ou simétricas, VDSL.
Casa do cliente: nas instalações do cliente, a set top box (STB) é responsável pela descodificação dos sinais digitais recebidos, podendo fazer a conversão para analógico se o cliente tiver uma televisão convencional. Caso o cliente tenha fibra óptica, terá ainda uma ONU (Optical Network Unit), responsável por converter os sinais ópticos em sinais eléctricos, que estará ligada à STB.
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2.2. Como funciona uma rede IPTV
Com base na Figura 1, pode-se descrever de modo sucinto o funcionamento de uma rede IPTV. Para tal, pede-se ao leitor, para ter em mente essa imagem durante a leitura deste subtópico.
Tudo começa com a aquisição dos conteúdos de vídeo. Estes entram na rede de núcleo através dos Centros Nacionais/Locais, onde se encontra a cabeça de rede de vídeo, sendo adquiridos directamente das estações de televisão nacionais/locais ou de qualquer outro fornecedor (como é, geralmente, o caso do VoD). Estes centros são, portanto, responsáveis por receber os conteúdos, codificá-los num formato de vídeo digital, normalmente em MPEG-2 ou H.264/AVC, comprimi-los, introduzi-los em pacotes de dados IP e enviá-los para a rede usando o protocolo UDP – User Datagram Protocol. Se os pacotes de dados IP forem enviados directamente para os clientes, tem-se a situação de tempo real, normalmente em modo multicast, ou seja, o fluxo é enviado para um conjunto de clientes. No entanto, estes pacotes podem ser armazenados em servidores de aquisição e enviados em modo unicast, estando-se então no caso do VoD, sem tempo real. A presença destes sistemas de armazenamento ao longo da rede é fundamental neste tipo de serviços interactivos pois, para além de permitir armazenar os conteúdos VoD, diminui o congestionamento da rede com pacotes de conteúdos da TV Broadcast e com pedidos VoD.
Após o tratamento dos pacotes IP, estes são enviados para a rede. À saída dos Centros Locais, consoante o tipo de ligação que o cliente tem, pode-se encontrar o DSLAM (Digital Subscriber Line Access Multiplexer) que permite ter acesso à Internet sobre a linha telefónica, ou a OLT (Optical Line Termination) que permite as tecnologias por fibra óptica, nomeadamente FTTB e FTTH, fibra até ao edifício (building) ou até casa do cliente (home), respectivamente. Desta forma, quando os pacotes IP chegam a casa do cliente, são descodificados e ordenados num fluxo de vídeo coerente pela STB.
Como já foi referido, no caso da TV Broadcast, cada canal é difundido via multicast, ou seja, simultaneamente através da rede até ao grupo de utilizadores que estão a ver esse canal (em oposição à TV analógica em que se utiliza broadcast e, portanto, todos os utilizadores recebem os mesmo canais). No entanto, devido às limitações de largura de banda das tecnologias xDSL (nomeadamente o ADSL), a capacidade de transmissão é bastante reduzida entre os Centros Locais e a casa do assinante. Assim sendo, a solução para a transmissão de múltiplos canais de TV Broadcast passa por transmitir apenas os canais requisitados pelo cliente num dado período de tempo. Ou seja, quando o utilizador muda de canal, em vez de proceder à sintonização do novo canal, a STB, junta o cliente a um novo grupo multicast. Deste modo, só os canais que estão a ser visionados são enviados ao cliente. O mesmo já não acontece no VoD, já que, cada cliente tem a possibilidade de escolher visualizar um conteúdo diferente. Assim sendo, não é possível agrupar os pedidos em grupos multicast, logo, cada pedido tem de ser tratado individualmente e enviado através de um fluxo unicast.
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Time-shift TV: permite funções como pausa, avançar e retroceder a emissão. É ainda possível pedir para recomeçar a emissão de um dado programa que já esteja a dar. Tais funcionalidades não eram possíveis na TV convencional. É de notar que, a função avançar pode ser utilizada desde que a emissão não seja em tempo real.
Network Personal Video Recorder: é uma função avançada de gravação. O assinante diz à rede quais os programas que deseja gravar e a rede grava-os para o assinante.
Video-on-Demand (VoD): para os mais distraídos, esta funcionalidade pode ser por vezes confundida com o network personal video recorder, já que a rede também disponibiliza ao assinante conteúdos de vídeo. Contudo, o VoD é um clube de vídeo virtual. O assinante só tem que escolher qual o vídeo que quer ver naquele momento e poucos segundos depois tem o vídeo a passar na sua televisão. Tal como num clube de vídeo normal, este serviço é pago à parte.
Favoritos: permite colocar filmes gravados, canais ou programas num grupo de favoritos. Desta forma, o assinante pode ter acesso a esse conteúdo sempre que quiser de um modo fácil e prático, ou até mesmo ser avisado quando é que um programa seleccionado como favorito irá dar.
Publicidade: é uma nova forma de publicidade, em que ao ver um dado programa publicita-se um produto indicando o local onde o mesmo pode ser adquirido. Caso o assinante assim o deseje, neste novo tipo de publicidade, poderá fazer logo a reserva do produto.
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A qualidade de um serviço é um ponto fundamental para o sucesso do mesmo. Para tal, existe a necessidade de se estabelecerem requisitos mínimos que a garantam. O ITU-T definiu Qualidade de Experiência, QoE, como um factor de mérito de qualidade, que consiste numa análise subjectiva e objectiva [4], tal como mostra a Figura 2.
Figura 2 - Qualidade de experiência
A QoE refere-se ao desempenho geral de um sistema a partir do ponto de vista do utilizador. O seu modo de análise subjectivo, designado por MOS (Mean Opinion Score), consiste na avaliação da qualidade por testes subjectivos efectuados a um grupo de pessoas, estando tabelado numa escala de 5 pontos, onde 1 é muito mau e 5 é excelente. A QoS, modo objectivo, mede o desempenho de um sistema da perspectiva da rede e, portanto, avalia a perda de pacotes, o atraso e o jitter, entre outros. Tal como era de esperar, a QoE e a QoS estão intimamente relacionadas, tal como se mostra na Figura 3 [5].
Figura 3 - Relação entre QoE e QoS
Desta forma, os requisitos mais importantes para a boa monitorização de uma rede IPTV são:
Perda de pacotes;
Atraso;
Jitter;
Largura de banda.
Perda de pacotes: dado que o protocolo IP garante um serviço best-effort (baseado no UDP), não é assegurada a entrega fiável de pacotes. Para tentar melhorar o desempenho do UDP, é utilizado o RTP (Real Time Transport Protocol) que permite mecanismos de correcção de erros, sem que o serviço de tempo real seja degradado. A perda de pacotes é tolerada, desde que não se excedam valores máximos da ordem dos 0.01 %.
Atraso: designado por vezes por latência, o atraso pode ter diversas origens, tais como:
Atraso de propagação (propagation
delay): tempo que um sinal demora a chegar até ao destino;
Atraso de transmissão (transmission
delay): tempo que demora a introduzir um pacote na rede;
Atraso de processamento (processing
delay): tempo extra introduzido pelos equipamentos para o processamento dos cabeçalhos dos pacotes;
Atraso de fila (queuing delay): tempo que o pacote fica à espera numa fila.
Uma vez que o atraso tem um impacto destrutivo nos sistemas de tempo real, o atraso total na rede não pode ultrapassar os 200 ms [5].
Jitter: do ponto de vista de uma rede IP, o jitter pode ser entendido como a variação no tempo e na sequência da entrega dos pacotes devido à variação dos atrasos da rede. Pode ser evitado através da introdução de buffers na rede, de tal modo que, os pacotes são armazenados no buffer, sendo depois expedidos a um ritmo constante. No entanto, num sistema em tempo real os buffers não são uma boa política, pois se os pacotes são armazenados a noção de tempo real deixa de existir. O jitter deverá ser mantido abaixo dos 50 ms para evitar o aumento da perda de pacotes [5].
Largura de banda: a transmissão de conteúdos de vídeo, é extremamente exigente em termos de largura de banda, quando comparada com a transmissão de dados (banda estreita ou larga) ou de voz (banda estreita). No caso do IPTV, a largura de banda exigida para se ter dois canais SDTV, um canal HDTV, Internet e voz é de 12 a 24 Mbps [5]. Na rede IP actual, o ritmo binário conseguido até casa do cliente é bastante variável. Embora em alguns casos este esteja próximo destas ordens de grandeza, não se pode ainda garantir um valor constante para os ritmos de transmissão, quanto mais reservar uma parte da largura de banda disponível apenas para o IPTV.
Para se garantirem todos os requisitos enunciados, é conveniente recorrer a plataformas auxiliares que façam a monitorização constante dos mesmos. Destacam-se as funções da plataforma de apoio a serviços multimédia e a plataforma de gestão.
Plataforma de apoio a serviços multimédia: esta é uma infra-estrutura de armazenamento embebida na rede, que permite o controlo dos níveis de utilização da largura de banda e dos parâmetros que garantem a QoS. Recorre-se para isso a servidores de aquisição, de armazenamento ou de distribuição de conteúdos e à optimização do seu funcionamento para melhores resultados.
Plataforma de gestão: permite o controlo e análise do funcionamento da rede por parte do operador. Uma vez que, a rede IP global resulta da união de várias redes geograficamente dispersas e logicamente estratificadas em camadas (Figura 4 [6]), a gestão do funcionamento global da rede deverá permitir identificar a existência de problemas e ainda a sua origem e impactos na rede, levando à sua eficiente correcção.
Figura 4 - Estratificação em camadas da rede IP
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